Source
O primeiro congresso de jornalistas de Macau, que decorreu este fim-de-semana, ficou marcado por uma acesa discussão sobre a revisão da lei de imprensa. Além de profissionais do território, o encontro contou também com a presença de jornalistas de Portugal, de Hong Kong e do Continente.
Inês Santinhos Gonçalves
Foi com um “não, não e não” ao processo de revisão da lei de imprensa que Gilberto Lopes, chefe da Rádio Macau, abriu o debate mais esperado do primeiro congresso de jornalistas do território, “Os media em Macau: retrospectiva, panorama actual e caminhos para o futuro”.
Carlos Morais José (director do Hoje Macau), Frederico Rato (advogado e ex-proprietário do PONTO FINAL), Gilberto Lopes, José Miguel Encarnação (editor de O Clarim) e Rogério Beltrão Coelho (director do Macau Daily Times) fizeram parte de um painel em que se discutiu, quase em exclusivo, a revisão da lei de imprensa, reflectindo a preocupação da classe perante possíveis alterações ao diploma.
Os cinco oradores foram unânimes na rejeição do processo de revisão, apesar de divergirem em alguns pontos. “A actual legislação é do melhor que a administração portuguesa deixou em Macau. Não é por ser de 1990 que tem de ser mudada”, defendeu Gilberto Lopes, para quem é necessário, sim, regulamentar, criando um Conselho de Imprensa e de Radiodifusão e uma comissão que atribua títulos profissionais, à semelhança da Comissão da Carteira Profissional, em Portugal.
“A lei que temos é das melhores que há”, afirmou Rogério Beltrão Coelho. O director do jornal de língua inglesa criticou o conceito de sondagem deliberativa que o Governo levou a cabo com o objectivo de ouvir a população. “Em vez de a lei ser estudada pelos legisladores e pelo sector envolvido, trouxe-se o assunto para a praça pública. Ninguém sabe o que é a lei de imprensa e o que é preciso mudar, nem muitos dos próprios jornalistas”, criticou.
Carlos Morais José chamou a atenção para o facto de se estar a debater a possibilidade de alteração de uma lei sem apresentar qualquer proposta concreta. “Perante um rascunho posso dar a minha opinião. Assim, não.”
Frederico Rato reforçou a ideia de que “a lei é actual” e deixou um aviso: “A lei de imprensa não se pode sobrepor ao direito que se propõe regular”. O advogado lançou também questões. “Não se percebe esta sanha revisionista – quem aproveita? A opinião pública? Os consumidores estão protegidíssimos.”
Apesar de um sentimento geral de satisfação em relação à legislação vigente, Beltrão Coelho não deixou de apontar falhas que, na sua opinião, deveriam ser corrigidas, nomeadamente em relação ao facto de, hoje em dia, não ser obrigatório que um director de um jornal seja jornalista.
Receios e diferenças
A criação de conselhos de imprensa, de um sistema de acreditação e de uma entidade reguladora, bem como a definição de um código deontológico e de um estatuto do jornalista foram assuntos que mereceram a atenção do painel de debate.
Entre o público, José Pedro Castanheira, jornalista do Expresso, falou no código de conduta implementado pelo semanário português, um regulamento “muito mais severo que o código deontológico”, sugerindo-o como uma opção a considerar em Macau.
Gilberto Lopes defendeu a importância de uma entidade reguladora, dando o exemplo do recente caso em que a televisão da RAEHK ATV anunciou falsamente a morte do antigo Presidente Jiang Zemin, sendo obrigada a pagar 300 mil dólares de Hong Kong de multa. “Se isso acontecesse aqui, a TDM não seria multada”, apontou.
Beltrão Coelho alertou para a necessidade de criar um sistema de acreditação da profissão, lembrando que “hoje basta ter um cartão-de-visita”. O mesmo preocupa o chefe da Rádio Macau, que apoia a criação de uma comissão que atribua os títulos profissionais “presidida por um juiz e com representantes das associações da classe, do Governo e da Assembleia Legislativa”.
Francis Moriartry, vice-presidente do Foreign Correspondents Club em Hong Kong, que assistia à discussão, pediu a palavra para deixar um conselho: “Não olhem para nós como exemplo porque nós temos uma lei de imprensa sem garras”. O jornalista lembrou também que no território vizinho os jornalistas nunca quiseram ser acreditados ou ter conselhos de imprensa, por recearem a forma como essas entidades seriam formadas.
A composição dos conselhos de imprensa foi um tópico amplamente debatido, espelhando as preocupações referidas por Moriartry. “Há uma grande sombra que paira sobre Macau e Hong Kong, que vem da falta de liberdade do Continente. Por isso é normal que os jornalistas chineses tenham medo. Quem iria fazer parte desse conselho de imprensa?”, questionou Carlos Morais José, apontado para o facto de os media chineses serem maioritariamente detidos por “grandes empresários”. “Nessa situação, eu se calhar também não queria um conselho de imprensa”, acrescentou.
Rocha Dinis, director do Jornal Tribuna de Macau e presidente do congresso, falou da tentativa de aproximação aos jornalistas chineses, processo que considera ser “muito difícil”: “Os media chineses têm concepções completamente diferentes das nossas”. Ainda assim, considera que deve haver um esforço de aproximação para que se debata a questão.
Apesar das divergências, Gilberto Lopes defendeu a existência de um conselho de imprensa conjunto. O jornalista acredita que é preciso “acabar com o papão que parece existir junto dos nossos camaradas chineses de que os conselhos serão controlados pelo Governo”. Mesmo que representado, o Governo estaria sempre em minoria, lembrou.
Em caso de impossibilidade de um órgão conjunto, o chefe de Rádio Macau aponta para a Bélgica como exemplo: “O Governo pode copiar o que se passa na Bélgica em que existem dois conselhos. Se for a única saída, devemos admiti-la”.